António de Jesus: Um dos primeiros geólogos timorenses

Mario da Costa - Economia
Reportajen : Constantino Savio
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António de Jesus

Díli (timorpost.com) – O futuro é muitas vezes definido por decisões tomadas, num tempo e espaço, que mudam a ordem natural das coisas. Estava Timor-Leste nos seus primeiros anos de independência, quando um jovem decidia que o seu futuro seria a estudar a terra que o viu nascer.

António de Jesus Araújo é técnico especialista em estratigrafia e sedimentologia no Instituto de Petróleo e Geologia (IPG), tutelado pelo Ministério do Petróleo e Minerais. António foi um dos primeiros geólogos timorenses a elaborar o Mapeamento Geológico de Timor-Leste, uma investigação realizada para identificar os tipos de rochas de uma determinada área.

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Natural de Díli, nasceu em Becora a 20 de fevereiro de 1984. É casado e pai de quatro filhos. O seu pai é natural de Aileu e a sua mãe de Liquiçá.

A sua paixão pela natureza é muito grande e vem de criança, já que o seu pai, agricultor de profissão, o levava sempre para as hortas. Estabeleceu assim uma ligação com a natureza, apesar de não ter conhecimentos sobre Geologia, nem sobre recursos naturais.

Os primeiros anos de escola foram passados em Díli. A Escola de Ensino Básico nº 9 de Bidau – Masaur foi o lugar que lhe ofereceu os primeiros conhecimentos, sobretudo ao nível da leitura e da escrita. No ensino pré-secundário passou por uma escola pública de Becora. No entanto, António começou a definir objetivos e concorreu ao seminário, com o objetivo de dedicar a sua vida à igreja.

Ao saber que não foi admitido no seminário, mas mantendo-se fiel aos valores transmitidos nas instituições católicas, o jovem António decidiu mudar-se para a montanha.

Chegou, em 2001, a Ossu, um dos postos administrativos de Viqueque, no sopé do Mundo Perdido, uma das montanhas mais famosas de Timor. Distante da família, numa zona rodeada de montanhas, com uma temperatura muita baixa e onde as nuvens cobrem o azul do céu, dia após dia, foi no Colégio Santa Madalena de Canossa, que António concluiu o ensino secundário, em 2003.

2004 foi o ano que marcou o maior afastamento da família. António foi estudar para a Indonésia, o país onde muitos jovens timorenses sonham alcançar um nível de conhecimento que lhes permita um dia regressar e ajudar o seu país a crescer, sem nunca esquecer o apoio à família.

A ambição de se tornar um engenheiro civil levou-o a eleger o Institut Teknologi Adhi Tama Surabaia (ITATAS), na Indonésia, pois considerou que seria o lugar mais adequado para estudar.

A vida, no entanto, encarregou-se de lhe dar uma oportunidade de repensar as suas escolhas. Quando viu, junto às folhas de matrícula do curso de Engenharia, uma lista de disciplinas do curso de Geologia e Petróleo, António sentiu que seria esse o seu caminho.

Sendo um amante da natureza, ele não deixou escapar esta grande oportunidade. Além disso, naquela época, geologia e petróleo eram temas da ordem do dia em Timor. No meio de tratados entre os Estados timorense e australiano, que pretendiam regulamentar a exploração de recursos petrolíferos e redefinir as fronteiras marítimas, o caminho de António foi-se traçando e a ideia de poder trabalhar em geologia tornou-se cada vez mais sólida.

Em 2010, regressou à sua terra natal com o diploma de Licenciado na área de Geologia e Petróleo. No mesmo ano, começou a trabalhar na Secretaria de Estado dos Recursos Naturais (SERN), dando início ao Mapeamento Geológico de Timor-Leste.

“Nas grandes batalhas da vida, o primeiro passo para a vitória é o desejo de vencer”, Mahatma Gandhi.

O Mapeamento Geológico é o primeiro momento em que um geólogo agarra no caderno, no lápis, na bússola, no mapa, GPS (Sistema de Posicionamiento Global), martelo, fita-métrica, lupa, e parte para o terreno. O Suai foi o ponto de partida para o estudo, em 2010.

«Quando trabalhamos numa terra “virgem”, nunca nos livramos de dificuldades»

O técnico especialista explicou que, “quando nos surge um desafio pela frente, não devemos correr. Devemos tentar enfrentá-lo, porque há sempre uma solução”.

A primeira dificuldade que encontraram foi nas estradas. Segundo o Regulamento Administrativo do Ministério, a pesquisa no campo só poderia durar duas semanas, mas uma parte dos dias foi gasta em viagem, dadas as más condições do caminho, então os pesquisadores tiveram de pedir mais tempo.

O trabalho de um geólogo está sempre associado à natureza, por isso, outro impedimento foi a Cultura. “Em Timor, todas as coisas são sagradas. A água é sagrada. A árvore é sagrada. A pedra é sagrada”, contou, com um sorriso no rosto.

Para resolver o problema, a primeira coisa a fazer é entregar uma carta com o pedido de autorização à autoridade daquele local (chefe de Suco). A partir daí, o chefe do suco autoriza um guia para acompanhar os técnicos.

Outra dificuldade foi a (falta de) colaboração das comunidades, já que, naquele tempo, o conhecimento dos cidadãos timorenses em relação aos estudos e pesquisas geológicas era muito reduzido. Por isso, alguns colaboraram, mas outros até os insultaram, dizendo que os estava a roubar, “Estas pessoas vêm aqui para roubar a nossa riqueza (ouro, prata e outras pedras preciosas)”, disse, tentando imitar algumas reações.

“Somos os vossos filhos. Somos timorenses. Somos protagonistas do nosso trabalho. Deixem os vossos filhos explorar os recursos que temos em vez de deixar isso para os estrangeiros”. Estas eram as súplicas do António e dos seus colegas quando as comunidades os confrontavam.

Para melhorar o ambiente entre as comunidades, eles percorreram quase todo o território, numa espécie de campanha de sensibilização, onde criavam alguma proximidade entre os locais e explicavam o motivo do estudo.

Com uma área muito grande para explorar, o trabalho sempre foi em equipa, constituída por: António de Jesus Araújo, Frederico do Santos, Vítor de Sousa; e os assistentes: Nazário Boavida, Julito Magalhães, Ezequiel Martins, Zeremias dos Santos, Estélio e Hélder.

Durante o estudo contaram também com o apoio especializado da Badang Geologi Indonésia (BGI), da Agência Internacional da Cooperação de Coreia (sigla em inglês KOICA), da Austrália, dos Estados Unidos de América (EUA) e de Portugal.

Os lugares estratégicos para trabalhar são as ribeiras. Os especialistas consideram o lugar adequado para observar bem um afloramento (qualquer exposição de camada, veio ou rocha na superfície do terreno). Por trabalharem sempre nas ribeiras, outra dificuldade é o clima, especialmente no tempo da chuva. Uma ribeira, mesmo que esteja em condições para ser estudada, pode encher numa questão de minutos, se começar a chover intensamente na montanha.

Muitas vezes, têm de caminhar por muitas horas e dormem no mato para poder identificar bem os tipos de rochas. “A caminhada é a melhor forma para observar bem os detalhes”, disse António.

Em meados de 2016, começaram o mesmo trabalho em Oecússi. Contou o especialista que foram bem recebidos, “houve sempre uma colaboração positiva por parte das comunidades e até nos ajudaram a ter acesso a alguns bens, como água ou fruta”.

Em 2018, o geólogo teve a oportunidade de continuar os estudos, com o mestrado em Coimbra, Portugal, especializando-se em estratigrafia e sedimentologia. Estes dois ramos da geologia estudam os estratos ou camadas de rochas para determinar o seu processo de formação.

Para o especialista, a estrutura das rochas em Timor é complexa e não temos equipamentos básicos para explorar nem para desenvolver estudos científicos. Por exemplo, não temos um laboratório, nem instrumentos para identificar a data em que as rochas se formaram. Quando não conseguem concluir esse registo, levam algumas amostras para o Canadá e para a Austrália. Outras vezes, têm de recorrer ao conhecimento adquirido durante os estudos e às referências de especialistas.

Os nossos heróis já libertaram a nossa terra. Agora é tempo de libertar os nossos recursos naturais

O conhecimento geológico tem sido utilizado pela sociedade ao longo da história como uma forma de garantir as necessidades básicas, através da exploração de recursos minerais, como os combustíveis fósseis, e da construção de estradas e edifícios.

Timor tem um grande potencial em recursos naturais. O problema reside na falta de conhecimento e de estratégias para desenvolver esse potencial de um modo rentável e sustentável, não deixando para trás as preocupações ambientais.

“Como timorense, sinto-me orgulhoso por fazer este trabalho. Começámos nas nossas linhas fronteiriças, e este é só o início”, salientou. Os municípios que já contam com o Mapeamento Geológico são Oecússi, Maliana e Suai.

Para António de Jesus, uma pesquisa científica não é fácil e demora muito tempo. Requer muita vontade, paixão e disciplina. “A educação é a chave para o desenvolvimento e a ética guia a nossa inteligência”, concluiu.

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