Crianças timorenses exigem às autoridades que os seus direitos sejam respeitados

Mario da Costa - Educação · Geral
Reportajen : Joana Silva
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Olávio Araújo, representante das crianças timorenses: “No nosso país há infraestruturas escolares em más condições. Poucas bibliotecas. Poucos livros. Poucos professores qualificados e especializados”/ Foto: INDDICA

Dili (timorpost.com) – Em qualquer evento relacionado com as crianças, as autoridades fazem comentários elogiosos e otimistas, sempre a ressaltar que os meninos e as meninas são o futuro de Timor-Leste. Mas a realidade mostra que muitos menores no país ainda não sentem a cidadania respeitada, bem como o direito à educação de qualidade, à saúde, à liberdade e ao ato de brincar.

Em 20 anos de independência, as tentativas de solucionar as referidas questões têm-se concretizado em estudos, cerimónias, campanhas de sensibilização. Líderes e comunidades vão acompanhando o tema com aparente interesse. Ainda não se percebe, porém, o impacto destas ações e problemas profundos persistem, como má nutrição, acesso à educação, trabalho infantil e outros, menos falados, como o da violência sexual contra menores.

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Em 2003, Timor-Leste ratificou a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança. A partir daí, foram criadas leis que procuram garantir a proteção dos menores. Recentemente, foi aprovado no Parlamento Nacional (PN) o projeto-lei da proteção a crianças e jovens em perigo.

A juntar a estas leis, para fazer face a situações de jovens carenciados – que sofrem de maus tratos, que são forçados a trabalhar -, alguns órgãos têm promovido diálogos para iluminar esta área, que, no entanto, ficam pelos cantos, na sombra de muitos programas políticos.

Destacam-se as cerimónias de promoção do Estatuto da Criança em Timor-Leste, em 2014, e a comemoração do Dia mundial da Criança, em junho de 2020. Esta última foi levada a cabo pelo  Ministério da Solidariedade Social e Inclusão, na Região Administrativa Especial de Oé-cusse Ambeno (RAEOA). O evento foi subordinado ao tema “Proteger e Investir nas nossas Crianças para o Futuro da Nação”.

No ano seguinte, a Procuradoria-Geral da República realizou um mini-seminário, sob o tema “Promoção e Defesa dos Direitos das Crianças em Timor-Leste”.

No dia 16 deste mês, teve lugar mais um diálogo, realizado pelo Instituto para a Defesa dos Direitos da Criança (INDDICA), no Centro de Convenções de Díli (CCD), onde as crianças também participaram na discussão.

Sob o tema “Rona Ami Labarik nia Lian Hodi Asegura no Realiza Ami nia Direitu” (“Ouça-se a  nossa voz, crianças, para assegurar e realizar o nosso direito”, em português), o encontro reuniu lideranças, como o presidente da República de Timor-Leste, José Ramos-Horta, embaixador do Japão, representantes de organizações nacionais e internacionais, crianças em representação dos vários sistemas de ensino (do pré-escolar ao ensino secundário), crianças com deficiência e vítimas de trabalho infantil.

Sistema educativo precário

Porta-voz das crianças e jovens, o estudante Olávio Almeida Araújo, no seu discurso no evento do CCD, apresentou alguns problemas enfrentados pelas novas gerações, sobretudo no que respeita a precariedade do sistema educativo, a má nutrição e o trabalho infantil.

“No nosso país há infraestruturas escolares em más condições. Poucas bibliotecas. Poucos livros. Poucos professores qualificados e especializados. Isto dificulta todo o processo de ensino-aprendizagem”, apontou o adolescente, à frente das lideranças.

O Timor Post espreitou o Orçamento Geral do Estado (OGE) de 2023, para ter uma noção mais clara da alocação de recursos públicos na Educação. Previa-se um investimento de pouco mais de 4% para a área (137 milhões de dólares), em relação ao valor total do OGE, aprovado em novembro pelo PN (3,1 mil milhões).

Em dezembro, o presidente da República José Ramos-Horta reexaminou os mil milhões reservados ao Fundo dos Veteranos e promulgou o OGE de 2023 no valor de 2,1 mil milhões. A soma do montante destinado à Educação engloba os valores alocados ao Ministério da Educação, Juventude e Desporto (MEJD); ao Ministério do Ensino Superior, Arte e Cultura e à Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL). Os dados são do próprio Governo.

O baixo investimento na área da Educação em Timor-Leste reflete-se na incapacidade de garantir um sistema de ensino-aprendizagem de qualidade no país. Além disso, valores apresentados no OGE não condizem com o discurso dos governantes, que usam a educação como uma das bandeiras dos partidos, em campanhas ou na apresentação dos programas políticos. A área é apresentada como uma das principais preocupações para o desenvolvimento do país, mas os números mostram o contrário.

Má nutrição e insegurança alimentar

Olávio considerou que a alimentação dos estudantes é um dos obstáculos na aprendizagem. “No geral, as merendas não têm bons nutrientes ou em quantidade suficiente para os alunos”.

Em Timor-Leste, segundo um relatório da UNICEF (2020), aproximadamente metade (47%) das crianças com menos de 5 anos sofrem de nanismo (deficiência de crescimento). Este problema, aponta o estudo, está diretamente relacionado com a má nutrição e trava o desenvolvimento cognitivo dos menores.

Maria, nome fictício de uma aluna da escola básica de Díli, contou ao Timor Post  que o menu da merenda é o mesmo todas as semanas. “De segunda a quinta-feira, comemos arroz com bife ou arroz com feijoada. Para fechar a semana, ‘engolimos’ o leite com feijão mungo”, afirmou.

Rosária Martins, nutricionista, considerou que os alimentos consumidos pelos alunos são insuficientes em termos nutritivos. Faltam vitaminas e minerais. “As crianças apenas estão a consumir proteínas e carboidratos”. Para ter refeições completas, a profissional recomendou o consumo de mais verduras, legumes e frutas.

A presidente do INDDICA, Dinorah Granadeiro, não vê com bons olhos o problema da má nutrição, tendo em conta que Timor-Leste apresenta o cenário mais preocupante da ASEAN – bloco formado por países do sudeste asiático de que Timor-Leste visa fazer parte. “Isto significa que os esforços que o governo e parceiros internacionais têm feito ainda não são suficientes para resolver o problema”, enfatizou Dinorah.

Um estudo divulgado recentemente (14.02)  pelo Ministério da Agricultura e Pescas (MAP) indica que 300 mil timorenses sofrem de insegurança alimentar. Fatores como a pandemia, a guerra na Ucrânia, a mudança climática e a inflação têm contribuído para o agravamento do problema.

De acordo com os dados do Índice Global da Fome (IGF) de 2022, Timor-Leste ocupa o 110º lugar entre 121 nações. A posição revela a gravidade da questão da má nutrição no país. O IGF é uma ferramenta estatística para descrever o estado da fome nos países.

Trabalho infantil

No evento no CCD, Olávio sublinhou que muitos menores e jovens são explorados pelos próprios pais em trabalhos que são forçados a fazer pelas ruas de Timor-Leste. “Infelizmente, esta atividade ainda é visível no dia a dia”, observou o jovem.

De acordo com os dados da Comissão Nacional Contra o Trabalho Infantil de 2022, cerca de 52 mil menores timorenses, entre os 5 e os 17 anos, realizam trabalhos de adultos. Desses, 43 mil são analfabetos.

O presidente da República José Ramos-Horta, na atividade no CCD, argumentou que os problemas que afetam crianças e jovens não estão na questão do orçamento, mas sim na sua execução. Horta avaliou que “as ajudas mais eficazes têm vindo das organizações internacionais que operam no território timorense”.

A presidente do INDDICA, contudo, defendeu que sejam feitos mais investimentos em políticas públicas direcionadas às crianças. “Se as crianças são o futuro da nação, temos de investir mais nelas e esse investimento tem de começar mesmo antes de nascerem”, defendeu. Para Dinorah, o apoio tem de se materializar desde a gravidez, para que a mulher tenha uma gestação saudável e melhores condições de dar à luz.

Por sua vez, Olávio, em nome dos menores timorenses, exigiu às partes competentes que tenham em consideração o real direito das crianças. O jovem apelou para que, pelo menos, o assunto fosse colocado na agenda do Plano de Desenvolvimento Nacional, “se vocês (líderes) nos consideram verdadeiramente o futuro deste país”.

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