José Valente, o apóstolo dos jovens

Mario da Costa - Geral
Reportajen : Constantino Savio
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José Valente está a colher os resultados do seu trabalho

“Se subires na vida, precisas de ser calmo e humilde ou não poderás ver as coisas que acontecem sob o teu nariz”.

Humilde, sorridente, sereno e carinhoso, como os habitantes de Aileu conhecem, José Valente Borges da Costa, natural do município, nasceu a 8 de novembro de 1982. Filho de Alberto dos Santos Costa e Mafalda Gonçalves Borges, tem duas irmãs e um irmão.

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É professor de Religião e Moral e Língua Inglesa na Escola Técnico-Vocacional de Aileu (ESTV), Diretor-geral do Centro de Juventude de Aileu e secretário-geral da Comissão da Cidade Amiga, uma cooperação entre uma zona no município e duas cidades australianas, que tem foco na capacitação de recursos humanos e apoio de fundos a grupos com iniciativas produtivas como artesanato, empreendedorismo e cuidados de animais.

Em 2015, através da Agência Japonesa de Cooperação Internacional (JICA, em inglês), teve a oportunidade de estudar sobre a promoção do turismo comunitário no Japão durante duas semanas. Quando regressou, reuniu todos os estudantes que concluíram os estudos no país nipónico e juntos criaram uma associação de antigos alunos da JICA, sendo ele o atual Coordenador.

Os estudantes iam deslocar-se ao Japão para fazer formação

Em 2017, através da organização Corpo da Paz, uma iniciativa do povo japonês para ajudar os povos de outros países, através da transferência de novos conhecimentos e habilidades, teve a oportunidade de estudar nos Estados Unidos da América (EUA), sobre infraestruturas ambientais resilientes, um trabalho focado nas infraestruturas e qualidade da terra. É também membro do grupo dos antigos alunos timorenses dos EUA.

No mesmo ano, recebeu o prémio dos Direitos Humanos pelo então Presidente da República, Francisco Guterres Lú-Olo, pelo esforço, dedicação e espírito de voluntarismo e defesa da causa humana, em especial de jovens.

Mil novecentos e noventa e um foi o ano em que José iniciou os seus primeiros anos da escolaridade. Desde o terceiro ano do ensino primário vendia doces com os javaneses, já que na altura ainda éramos uma das províncias da Indonésia, para pagar os estudos.

Todos os dias, levava doces para a escola e vendia-os no recreio. Depois da aula, percorria toda a vila para vender os que sobravam antes de regressar a casa.

Terminou o ensino primário em 1997 e continuou na Escola Pré-Secundária Católica de Aileu-Vila. Deixou de vender doces para vender vegetais e todas as tardes ficava no recinto do mercado.

Em 1999, José não conseguiu terminar o terceiro ano do ensino pré-secundário, por causa dos confrontos em Timor depois do referendo. Em 2001, sob administração da ONU, retomou os seus estudos.

Depois de terminar o ensino pré-secundário, frequentou a Escola Secundária Católica São Pedro e São Paulo de Aileu Vila, o atual colégio de São Pedro e São Paulo.

Falava, então, um pouco de inglês e, para aprofundar esta língua, trabalhava na casa de alguns militares estrangeiros que tinham permanecido em Timor desde 1999, a cuidar de jardins, lavar carros e roupa, limpar a casa, entre outros trabalhos domésticos.

José contou que trabalhava desde muito cedo porque os seus pais se tinham divorciado. Para ele, manter a mente ocupada com o trabalho e estudos é uma forma de esquecer os problemas.

Em criança, o pequeno José era ativo nas atividades da Igreja, como cruzadas, acólitos e até grupos vocacionais de Juventude.

Para ele, o dom de ser líder surgiu nesse tempo, porque quando estava na cruzada, no grupos de acólitos ou de jovens de vocação, sempre foi chefe. Na escola, também era o presidente do Conselho de Estudantes e até chefe da turma.

Nunca faltou à missa, a torre da igreja era o lugar preferido para estudar. Sempre obteve boas notas e terminou o ensino secundário em 2004 como melhor graduado, pelo que foi diretamente contratado para ensinar na Escola Secundária Pública Aileu Malere de 2005 a 2007.

Depois, mudou-se para o Colégio de São Pedro e São Paulo, de 2007 a 2008, porque não havia, na altura, muitos professores, tendo lecionado também a disciplina de Religião na Escola Primária Número 1 Aileu-Vila, durante seis meses, a pedido da Igreja.

No mesmo ano, foi contratado pela Escola Técnico-Vocacional e fundou o grupo Foinsae Católica Capela Aissirimou Aileu (FOSCACA), reconhecido formalmente, em 2010, pela Secretaria de Estado de Juventude e Desporto (SEJD) como Centro de Juventude de Aileu.

Em 2009, começou a trabalhar com Kirsty Sword na Comissão Nacional de Timor-Leste para a UNESCO, que tem como papel reforçar o programa do Ministério da Educação na implementação da língua materna.

O programa também lhe deu a oportunidade de viajar a mais de 50 países no mundo, com o objetivo de conhecer outras culturas, modos de vida e adquirir novos conhecimentos que pudessem ser aplicados no seu país. Exemplo disso, em 2009, viajou à Jordânia no âmbito de um programa chamado “Generation for Peace Come”, criado pelo Rei do país, com vista a criar condições para desenvolver os talentos dos jovens.

Levou mais de cinco anos a trabalhar e juntar dinheiro antes de entrar na universidade.

Ingressou no ensino superior nos últimos meses de 2009, tendo escolhido o curso de Psicologia no Instituto Superior Cristal (ISC), que terminou em 2011. Empenhado e organizado, apenas precisou de três anos para terminar os seus estudos.

Este ano, continuou o mestrado no mesmo instituto na área de Gestão. Optou pelo curso por constatar que o principal problema que encara, em todas as organizações ou grupos de que faz parte, é a gestão, para além da falta de recursos humanos.

Por ter uma vida bastante agitada, muitos ficam admirados. “Já és funcionário público, recebes dinheiro do Estado, porque é que queres mais oportunidades?”, contou com um sorriso no rosto, imitando as expressões das pessoas.

“Mas, eu penso desta forma, o dinheiro que recebemos é o sangue dos heróis que deram as suas vidas a este país, por isso, não podemos perder muito tempo a fazer coisas inúteis”, disse.

José, de vez em quando, é obrigado a trabalhar até de madrugada, quando precisa de comunicar com os organismos parceiros nos países com fusos horários diferentes.

Para José, o verdadeiro pecado é quando trabalha só uma ou duas horas por dia, mas recebe, mensalmente, o salário por inteiro.

“Deus deu-nos o dom para fazermos o que podemos, nunca nos obriga a fazer o que não podemos”

Num dia, José tenta “dedicar cada minuto a todas as atividades”, mesmo que esteja consciente de que é difícil gerir o tempo.

“Todos os professores da ESTV de Aileu sabem e compreendem as minhas atividades, já que beneficiam muitas pessoas. Por isso, dispensam-me, sempre que peço autorização”, comentou.

“Num só dia, posso fazer todas as atividades, mas, em alguns momentos, consigo apenas dedicar-me a uma ou duas, porque, às vezes, temos de ver as prioridades ”, disse.

O jovem está consciente de que as poucas horas de descanso podem comprometer a sua saúde. “Faço, regularmente, exames em Díli, Maubisse ou Aileu, conforme as indicações dos médicos”, relatou.

Maun Zé, o nome estimado que muitos habitantes de Aileu conhecem, dedica-se também a fazer ginástica e jogar à bola com os jovens. É, disse, uma forma de manter o corpo e a mente saudável.

A seu lado, estão os jovens voluntários que trabalham incansavelmente no Centro de Juventude de Aileu. O estabelecimento é agora um espaço para adquirir conhecimentos, sobretudo de liderança, desenvolvimento pessoal e desenvolver os talentos para trabalhar na comunidade.

Quando entramos no Centro de Juventude, as primeiras coisas que saltam à vista são as fotos das suas atividades. Ajudar a comunidade vulnerável,como doentes nas áreas remotas, é umas delas. Durante o seu percurso, testemunhou a situação de uma senhora que ficou doente e acamada durante 15 anos. Por estar muito tempo na cama, o corpo da idosa ficou paralisado e esta precisa de ajuda para se deslocar.

As atividades do Centro de Juventude contam com o apoio da comunidade, autoridades municipais, polícia, igreja e organizações não governamentais.

Tem todo o apoio da família, especialmente das irmãs, em questões da administração do trabalho e gestão de fundos. Também o irmão mais novo o ajuda na parte da logística.

“Venho sempre a casa almoçar, mesmo que sejam só 30 minutos, pois é tempo para estar com a minha família”, contou com orgulho.

O problema é a sua mãe que está sempre inquieta com o filho. “Você trabalha muito, não descansa, depois quando fica doente, quem é que vai cuidar de si ?”, imitando a maneira como ela lhe falou:

Admitiu, porém, que, por vezes, não consegue explicar por que razão trabalha tanto. “Parece que é um dom que Deus me concedeu e vou fazer tudo o que está ao meu alcance”.

Maun Zé é um homem bem organizado. Tem o seu próprio diário, onde aponta todos os acontecimentos de um dia inteiro.

Escrever já se tornou um hábito para José. Só deixa de o fazer quando está doente, mas retoma logo assim que recupera.

Tem desenvolvido este hábito desde os 17 anos. Para ele, as pessoas têm quatro sentimentos durante um dia: tristeza, alegria, medo e raiva.

“Escrever todos os dias ajuda-nos a conhecer melhor quem somos”, afirmou.

Disse também que, se um dia morrer, não é necessário outras pessoas contarem a sua história, basta ler o que está escrito.

Alguns dos sonhos que escreveu no diário tornaram-se realidade. Em 2017, por exemplo, sonhou que tinha recebido o prémio de Direitos Humanos e, no mesmo ano, foi-lhe concedida essa distinção pelo então Presidente da República, Francisco Guterres Lú-Olo.

Além dos problemas familiares, em 1999, assistiu ao assassínio de muitas pessoas, um cenário que o marcou muito e que o levou a abraçar a causa humana e evitar as barbaridades. Foi também por isso que se envolveu em várias organizações para desenvolver o desempenho profissional e ajudar os outros a tornarem-se melhores.

Jovens devem contribuir para soluções

José deixou um apelo aos jovens para serem humildes, mesmo estando no “topo da montanha”, irem atrás das coisas que trazem vantagens para a sua vida e aprenderem a ouvir os outros.

“Numa organização, não se formam apenas estruturas, põe-se “mãos à obra” . É preciso dedicação, paciência e disciplina, porque a inteligência não basta para fazer prosperar o nosso país e pôr Deus sempre em primeiro lugar”, defende.

“A sinceridade é a chave para o sucesso”

No Centro de Juventude, tem-se realizado um encontro semanal e cada membro tem, assegurou o Coordenador, conhecimento de todo o dinheiro que circula dentro da organização.

“Ultimamente muitos jovens de Aileu estão conscientes dos problemas sociais no município, elevando assim o seu espírito de voluntarismo através do envolvimento em várias organizações [que defendem a causa humana]”, informou com alegria.

Para ele, é melhor as pessoas criticarem diretamente, porque isso nos torna mais fortes em várias circunstâncias da vida. Confessa que é uma pessoa sorridente, mas o sorriso serve apenas de máscara para disfarçar o sofrimento.

José está feliz com o que faz agora e confia no trabalho duro. “Deus pode ter planos para nós, mas temos também de ter os nossos próprios planos”.

Os jovens, apelou, não podem desperdiçar o tempo com coisas fúteis. Devem aproveitar ao máximo as oportunidades que lhes aparecem pela frente, para se capacitarem de modo a que estejam devidamente preparados.

“Os avós, tias e tios, que todos os dias vendem coisas no mercado, depositam a sua confianças nos jovens”, avisou.

José ainda não pensa em casar. Para ele, “formar família é fácil, mas para exercer o labor com a família é muito difícil”.

”Os jovens têm de contribuir 100% para o desenvolvimento do Estado e da Igreja”, concluiu.

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