Saudades Resto & Coffee, um lugar para refrescar a mente e falar sobre a vida

Augusto Sarmento - Economia · Educação · Nacional
Reportajen : Constantino Savio
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Café Saudades, com vista para a estrada de Boaventura e para o jardim de Bebora/Foto: Saudades Resto & Coffee “

“Saudades Resto & Coffee” é um pequeno Café situado em frente ao jardim de Bebora. Quando estamos na rua de Boaventura, junto ao semáforo, temos do lado esquerdo o campo de futsal. Quando olhamos para o lado direito, podemos ver um pequeno edifício de dois andares, de cor preta, feito com ferro e enfeitado com pinturas e palavras recomendadas pelos clientes.

É, desde a sua abertura, um dos lugares de eleição de jovens e adultos para tomar café. Apesar das poeiras que de vez em quando se levantam com a passagem de carros, motas e camiões, na movimentada avenida, o aroma do café original de Timor-Leste, que se sente logo ao subir as escadas, muda logo todo o ambiente. Já lá em cima, podemos desfrutar de todos os produtos, sempre servidos com uma grande dose de simpatia.

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Não é um espaço grande e sofisticado que possa acumular muitas pessoas. Foi construído por seis estudantes, quatro homens e duas mulheres, da Universidade Nacional de Timor-Lorosa’e (UNTL), da faculdade de Economia e Gestão.

A página de Facebook do Café Saudades – como o empreendimento também é carinhosamente chamado – é seguida por mais de mil pessoas. A cada visita, os donos fotografam, com a devida autorização, os seus clientes e publicam na página oficial.

Além de ser um ponto de encontro, é também um lugar terapêutico. É um espaço de ambiente acolhedor, onde as pessoas podem relaxar, conversar, apreciar uma boa bebida e comida, e “matar as saudades”.

Os proprietários são também empregados, e é dessa forma que gostam de ser vistos. Não apenas nos servem o café, mas também oferecem o seu tempo e energia para interagir.

Para saber mais detalhes deste lugar e para matar a curiosidade, num destes dias o Timor Post falou com alguns dos jovens empreendedores – Santiago Frade, Leonardo João Castro e Francisco Barbosa – que criaram este lugar. Os restantes elementos – Nycko, Junita, Jenny e Evan – não puderam estar presentes porque tiveram de dividir o seu tempo entre o serviço do Café, que não pára, e as aulas na UNTL.

Timor Post (TP): Vocês vêm de diferentes municípios, com diferentes caracteres, costumes e até  língua (materna) diferente. Como surgiu essa união?

Santiago: Cada um tem a sua personalidade. Esta união começou quando chegámos à universidade. Aí, deixámos para trás as nossas diferenças, porque todos vêm para Díli com objetivo de buscar conhecimentos. Dentro da sala de aula todos somos estudantes.

Leonardo: Conhecemo-nos porque tivemos aulas em conjunto, tirando o irmão Santiago. Ele andava um ano à frente, mas foi muito fácil conhecê-lo a ponto de ficarmos amigos. Além disso, o Santiago é um dos melhores estudantes da nossa faculdade e um dos facilitadores, que recebem os novos estudantes, como foi o nosso caso. Na nossa escola, convivemos sempre em ambiente de discussão, e nessas discussões descobrimos que podemos ter sonhos diferentes, mas a mesma paixão.

TP: Quem vos inspirou para construir este negócio?

Leonardo: Como disse, na escola sempre trocámos ideias, em discussões dentro e fora da sala de aula. No terceiro semestre já falávamos em pôr em prática os conhecimentos adquiridos. Foi aí que conhecemos o irmão Yohanes, da faculdade de Turismo. Yohanes possui conhecimentos e experiência sobre o negócio e sabe fazer o melhor café. Ele convidou-nos para abrir, em sociedade, o Café “Lejo”, que se situa no Delta 3. O espaço está agora a ser renovado. Aprendemos muito com ele durante essa fase e, por fim, pudemos abrir o nosso próprio negócio. Assim, o Café Saudades não é o começo, mas sim a continuação do nosso esforço.

TP: Quanto tempo demorou a construção deste lugar?

Santiago: Levámos quase três meses para poder abrir este negócio. Em outubro de 2022 ainda andávamos a correr a cidade em busca de um lugar. As negociações para o espaço onde é hoje o “Saudades” duraram uma semana. Foi no último dia que a dona da casa aceitou o nosso pedido. Além de nós, havia outras pessoas com interesse neste lugar. A preocupação naquele tempo era o que fazer com esse espaço. Ou seja, tínhamos um lugar para negócio, mas não sabíamos que tipo de negócio iríamos abrir. Depois de algumas discussões, decidimos que este lugar é adequado para abrir um Café. No mês de novembro, fizemos as obras de preparação do espaço, pois a base estava feita. A construção levou cerca de um mês, porque de manhã estávamos nas aulas e à tarde trabalhávamos como serralheiros, carpinteiros, pintores e decoradores, para preparar aquele lugar. Iniciámos o negócio no mês de dezembro.

TP: Quais são as dificuldades que têm encontrado, desde que se aventuraram neste negócio?

Leonardo: Não é fácil iniciar um negócio, porque há sempre problemas que nos vêm bater à porta. O importante é não perder a coragem para os enfrentar e resolver.

Santiago: Assinámos o contrato sem ter dinheiro no bolso. Tínhamos apenas algum dinheiro, que fomos depositando durante os estudos, mas isso não foi suficiente para pagar a renda e para o processo de construção. Ainda por cima, somos todos estudantes, o que só veio aumentar a preocupação. Apesar de pagarmos renda desde o mês de novembro,  só abrimos portas em dezembro.

Leonardo: Não utilizamos isto como razão para desistir. É mais um desafio para superarmos, pois ainda dependemos da família. E estamos muito orgulhosos por ter o apoio máximo da família.

TP: Qual é o vosso maior sonho?  

Leonardo: O nosso maior sonho é expandir o “Saudades” não apenas em Díli, mas também nos restantes municípios, para dar mais oportunidades de trabalho às pessoas.

Santiago: O sonho por agora é, além de vender café, queremos ser distribuidores. Mais para a frente, vamos abrir uma indústria de café, onde compramos diretamente aos produtores e ficamos com a parte do processamento (torrefação, moagem, empacotamento) até à venda ao público. No curto prazo, vamos utilizar o rés-do-chão para abrir um restaurante, com um preço razoável para todos.

TP: Porquê “Saudades”?

Santiago: Escolhemos esta palavra propositadamente. Quando estávamos a caminho de casa, depois de um dia de aulas, a andar de mota, a dona daquele lugar telefonou-nos. Explicou que, segundo o SERVE [instituição que reconhece empresas], para abrir um negócio, precisamos de um nome. Eu e Leo trocámos algumas ideias. Aí o Leo propôs, em língua Indonésia, “Kangen”. Mas percebemos logo que não seria uma boa ideia, porque muitas pessoas não iriam conhecer a palavra. Assim, decidimos procurar, em língua portuguesa, uma palavra que se aproximasse daquele sentido, e chegámos à palavra “Saudades”.

TP: Como é que vocês organizam o horário de trabalho? Trabalham a tempo parcial, ou a tempo inteiro?

Santiago: Trabalhamos como se fosse em part-time, porque somos todos estudantes. Quem têm aulas de manhã trabalha à tarde, ou vice-versa.

TP: Entre as recomendações do menu, quais são as que os clientes preferem?

Leonardo: É o café expresso. Mas vendemos quase todos os produtos que estão na “carta” (menu). Os clientes também mostram a sua satisfação pelo atendimento que prestamos, contudo estamos sempre abertos a todo o tipo de opiniões e sugestões.

TP: Então, vocês tentam acompanhar tudo o que os clientes pensam, dizem, ou escrevem sobre este lugar?

Santiago: Como sabemos que somos novos nestas andanças, acabámos de abrir o nosso espaço, somos nós a procurar ouvir os clientes, quer estejam satisfeitos, ou não. O Café tem uma área reduzida, então não dá para acomodar muitas pessoas. Algumas acabam por ir embora, porém, como vêm “a casa cheia”. acabam por voltar. Outra das nossas preocupações é o estacionamento, uma vez que estamos virados para uma estrada com muito trânsito. Na maioria dos casos, os clientes elogiam o nosso atendimento, os nossos produtos e o espaço, porque se sentem confortáveis neste lugar.

TP: Mais ou menos, quantos clientes frequentam este lugar por dia?

Santiago: À volta de 50 pessoas, não todas ao mesmo tempo. Algumas chegam, tomam café e vão embora, outras ficam algum tempo e jogam xadrez ou damas, ouvem música, ou ficam simplesmente a conversar. Nos fins de semanas sentimos que temos mais clientes e que acabam por ficar mais tempo.

TP: E podem dizer quanto faturam diariamente?

Santiago: O dinheiro que entra todos os dias serve, em primeiro lugar, para pagar as despesas (renda, compras, etc.). O que sobra, é lucro, que dividimos entre nós para responder às nossas necessidades diárias. Esse dinheiro também nos ajuda a deixar de depender da família.

TP: Qual é o horário do Café?

Leonardo: Normalmente, abrimos às 10 da manhã, mas o horário de fecho é incerto. Depende da vontade dos clientes, já que temos um princípio que diz: “os nossos clientes são os nossos reis”. Às vezes estamos abertos até de madrugada. O que queremos é que os nossos clientes se sintam satisfeitos com o atendimento que oferecemos.

“Se não podes voar, corre. Se não podes correr, anda. Se não podes andar, rasteja. Acima de tudo, nunca te rendas”, Martin Luther King.

Os sócios do Café Saudades: jovens conheceram-se na UNTL e ainda estão a estudar Economia e Gestão/Foto: Saudades Resto & Coffee

TP: O que fariam, se um dia, tudo o que construíram se desmoronasse?

Leonardo: Claro que quando queremos iniciar alguma coisa, pensamos sempre no risco, mas temos todos um princípio: “quando é arriscado é melhor arriscar”. Confiamos sempre nos clientes, temos fé nas decisões tomadas e esperamos que isso nunca venha a acontecer. Bem ou mal, continuamos a caminhar.

Santiago: Por agora, não pensamos em lucros, pensamos sim em formas de crescer. Ou seja, existe todo um caminho para o sucesso e nós ainda estamos no início. Sabemos que vamos encontrar obstáculos, no entanto temos de saber contorná-los e aprender com os erros.

TP: Criar uma empresa mudou-vos em termos pessoais?

Leonardo: Sentimos que sim. Tudo o que envolve a criação e gestão de uma empresa ajuda-nos a descobrir características que não sabíamos que faziam parte de cada um de nós. Por exemplo, às vezes não estamos conscientes de que estamos a ser pontuais, ou não estamos a olhar para o relógio quando temos de trabalhar até tarde. Estes valores são importantes na nossa vida.

Santiago: O que valorizamos mais não é o dinheiro, mas a consistência, o trabalho em equipa, o bom ambiente neste espaço que é nosso e dos clientes.

TP: Percebemos que a família tem acompanhado esta vossa aventura. Como é que têm reagido ao vosso espírito empreendedor?

Leonardo: Em relação à família, sentimos que nos apoiam sempre em tudo o que fazemos ou queremos fazer. Entretanto já houve algum desconforto com o facto de as nossas colegas Junita, Jenny e Evan às vezes chegarem tarde a casa. Mas temos conseguido gerir.

TP: Antes de terminar, querem deixar alguma mensagem?

Leonardo: Para os lutadores do futuro, cada decisão tem sempre o seu risco, mas o importante é estar bem preparado para enfrentar os riscos. O início do projeto é o início do caminho para o sucesso.

Santiago: Seguimos o exemplo dos nossos antepassados, em especial os nossos combatentes da libertação nacional. Eles não nasceram guerrilheiros. Para sobreviver, tiveram de aprender a combater. Para nós, negociantes, não podemos pensar que todos “nascemos para o negócio” e esperar que o sucesso aconteça só porque abrimos uma empresa. Aprendemos todos os dias e todos os dias temos de pôr esse conhecimento em prática.

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