Díli (timorpost.com) – O Centro de Formação Kadi Kakutak (CFKK), localizado atualmente em Fatuhada, em Díli, é um espaço pequeno com poucos recursos materiais, mas o grupo que o gere conseguiu formar mais de duas mil pessoas em diversas áreas. O projeto surgiu em 2019, quando a pandemia impediu muita gente de frequentar cursos de formação em regime presencial. Na altura, o CFKK quis apoiar jovens para que não perdessem a rotina de aprendizagem das escolas públicas via aulas online, com alguma preferência por aulas de língua portuguesa.
Já o confinamento obrigatório em Timor-Leste ia a meio, quando o centro aumentou a sua atividade através de seminários online, versando diferentes temas e valendo-se de diversos convidados. Um deles foi José Ramos Horta, atual Presidente da República.
Atualmente, o centro tem 14 formadores – a maioria são ex-bolseiros, que estudaram em países da CPLP e em alguns no continente asiático – que dão aulas presenciais de acordo com as suas áreas de estudo e também das disciplinas previstas no programa da formação.
A página de Facebook do CFKK é um dos meios para divulgar informação sobre inscrições, seminários, cursos, entre outras atividades. A maioria dos documentos do centro é escrita em língua portuguesa.
Para conhecer melhor o Centro, o Timor Post falou com o fundador e responsável do CFKK, Nino Ferreira.
Timor Post (TP) – Como surgiu a iniciativa de criação do Centro de Formação Kadi Kakutak?
Nino Ferreira – O Centro de Formação Kadi Kakutak surgiu em 2019 no período da covid-19. Timor-Leste implementou uma política que fechou todas as instituições. Algumas delas foram as escolas públicas. Os jovens ficaram retidos em casa. Pensei, então, numa iniciativa que os pudesse ajudar a não perder hábitos de estudo, de aprendizagem. Na altura, estudava em Moçambique.
Começamos um curso de língua portuguesa. Então só havia duas pessoas a partilharem ideias sobre o português e a traçarem planos através do WhatsApp. Depois introduzimos o Zoom e o Google Meet para promover sessões online. Envolvemos cerca de 15 pessoas, mas, pouco a pouco, o número de participantes aumentou.
Mais tarde, entraram formadores da língua inglesa. Daí, introduzimos outro curso online: inglês. Com o tempo e com a nossa dinâmica interna surgiram novas áreas como, por exemplo, Gestão de Arquivo, Metodologia de Pesquisa, Finanças Públicas, entre outros. Finalmente, no início de 2023 decidimos instalar o regime de aulas presenciais, em Fatuhada, em Díli.
Entretanto, também criei vídeos sobre conteúdos de língua portuguesa e publiquei no Youtube para poder ajudar os que não conseguiam participar.
Foto: Reprodução do Facebook.
Quando afiamos a faca, ela fica muito afiada.
Então, também devíamos afiar o nosso cérebro.
TP – Porquê o nome CFKK?
Nino – Este nome foi criado na fase da covid-19, mas não me lembro exatamente de onde veio a ideia. Parece que veio da ideia de que, quando afiamos uma faca, ela fica muito afiada. Então, também devemos afiar o nosso cérebro. Deve-se aprender mais para ser uma boa pessoa. Para não esquecer a nossa identidade, utilizamos também palavras do tétum, como por exemplo, Kadi Kakutak (sentido literal: afiar o cérebro), porque o tétum é a nossa língua nacional.
TP – Quais são as atividades realizadas pelo centro?
Nino – Fomos conseguindo realizar cursos curtos nas áreas de engenharia, informática, línguas, administração, entre outras. O curso de português, por sua vez, subdivide-se em classes, por exemplo, português básico, médio, intermédio e avançado. Só os formadores habilitados é que podem ensinar.
A inclusão social é outra atividade onde podemos reunir os jovens para poder realizar limpezas em bairros. No seio da inclusão social, realizamos jogos para manter amizade com outros jovens. O centro também oferece um seminário sobre a arte de falar em público.
TP – Quais são as principais dificuldades enfrentadas durante a realização das atividades de formação?
Nino – São muitas coisas. Por exemplo, financeiras, porque nenhuma instituição nos ajuda. Estamos a usar os fundos que vêm dos próprios membros do centro. Através da formação, cobramos algum dinheiro aos formandos para pagar o aluguer, a eletricidade e a água, entre outros. Com este dinheiro, via formandos e outros membros, compramos uma impressora, dois computadores, carteiras e outros equipamentos e materiais.
Temos de saltar de um lugar para outro
Há muitos jovens que vieram cá para frequentar cursos, mas por falta de espaço, o centro não pode receber todos. Apenas temos quatro salas, uma para o serviço administrativo e três para as aulas. Em relação aos seminários sobre a arte de falar em público, fizemo-los, mas a procura exige uma sala grande. Não temos um salão. Temos de saltar de um lugar para outro. Precisamos de alugar salões e pagá-los. Por isso, implementamos a política de cobrar algum dinheiro aos participantes, mas alguns utilizadores do Facebook protestaram. Eles não têm consciência de que tudo custa dinheiro.
TP – Quais são os requisitos para frequentar os cursos?
Nino – Apenas temos dois computadores. Por exemplo, os formandos que querem frequentar o curso de engenharia, pelo menos, têm de ter computadores próprios.
Numa aula interativa todos devem participar.
Para a língua, no nível pré-intermédio, por exemplo, um formando deve ter o certificado de nível básico. Mas, às vezes, alguns estudantes que não o têm querem frequentar um nível superior e dificultam o processo e aprendizagem. Para nós sobra o ónus de voltar a explicar os conteúdos do português básico. Infelizmente, ainda não aplicamos um teste diagnóstico para verificar qual o nível de proficiência de português que os formandos detêm.
O nosso espaço, como dissemos, é limitado. Uma sala não alberga mais do que 15 pessoas. E este é o número que entendemos como máximo para garantir que numa aula interativa todos possam participar. Para as aulas de português básico, temos um limite diferente para os mais jovens, por exemplo, dos 10 aos 16 anos, 15 alunos é muito. Os mais jovens fazem o curso de português básico para crianças, enquanto os de 17 para cima frequentam o português básico para adultos.
E alguns ex-formandos até conseguem liderar debates junto de individualidades!
TP – Qual é o tipo de público-alvo que o CFKK procura?
Nino – O nosso estatuto define que nós temos de preparar jovens, mas não significa que o centro restrinja os menos jovens. Por exemplo, nos seminários sobre a arte de falar em público, também fazem parte pessoas com mais de 30 anos.
Às vezes passo pelas ruas e muitas pessoas cumprimentam-me.
TP – Como reagem as pessoas que se juntaram no grupo do centro?
Nino – Sentem-se felizes. Enquanto estiveram aqui, conseguiram aprender muitas coisas. Por exemplo, antes tinham medo de falar em público. Mas, dois ou três meses depois, com o nosso apoio, digo eu, conseguem expressar-se face a uma plateia. E alguns ex-formandos até conseguem liderar debates junto de individualidades!
TP – Criar o centro mudou a sua vida? Porquê?
Nino – Em termos financeiros, não mudei nada. Sou a mesma pessoa. Não ganhei nada através deste centro. Em termos de vida social, sim, mudei muito, porque tenho conhecido muitas pessoas através deste centro. Às vezes, passo pelas ruas e muitas pessoas cumprimentam-me. Em termos de conhecimento, como formador, também considero que, ensinando, aprendo muito.
Para obter fundos não queremos mendigar.
TP – Quais são os seus próximos projetos?
Nino – Para já, queremos melhorar este centro. Melhorar qualitativamente o centro deve ser o nosso foco. Pensamos: como podemos reunir todos os jovens que ainda não fazem parte do centro? Temos esta missão de os formar através de cursos e de seminários, preparando-os para que, no futuro, eles possam concorrer a vagas de empregos e/ou ativamente procurá-las.
Aqui apenas investimos no conhecimento.
TP – O centro recebe algum apoio do governo? Por exemplo, do Ministério da Educação?
Nino – Até à data, não recebemos qualquer apoio. Mas já pensamos em submeter propostas a algumas instituições. Não sei se eles têm interesse em nos apoiar ou não. Mas, a esse nível, orientei os membros e as estruturas de que devemos fazer a nossa parte. Mais tarde iremos pedir a outras pessoas para nos apoiar. Enquanto isso não acontece, para obter fundos não queremos mendigar.
TP – Qual é o balanço dos resultados da formação, dos seminários e outras atividades, até ao momento?
Nino – É um pouco difícil fazer um balanço, mas os comentários positivos das pessoas que nos conhecem ou os das redes sociais, mostram-nos que aprenderam muito na nossa formação. Podemos comparar com outros centros de formação onde os formandos têm que pagar uniformes, por exemplo, 5 ou 10 dólares. Dinheiro para inscrição, dinheiro para manuais, dinheiro para pagar a formação. Nós, do Centro de Formação Kadi Kakutak, cobramos apenas 15 dólares por cada formando até concluir o curso. Aqui apenas investimos no conhecimento.
Se uma pessoa quiser adquirir algum conhecimento científico,
pelo menos, tem de dominar a língua portuguesa.
TP – Como avalia a presença da Língua Portuguesa em Timor-Leste?
Nino – A presença da língua portuguesa aqui é muito pertinente, porque a nossa língua tétum não ajuda muito no processo de ensino-aprendizagem. Ainda não temos livros científicos em tétum. Tétum também não é uma língua de instrução no google e nem dá para traduzir. Se uma pessoa quiser adquirir um conhecimento científico, tem de saber algum português. Na verdade, depois de escolher o português como língua de ensino, muita gente consegue perceber e comunicar neste idioma. Por isso, o português ajuda muito em termos do ensino e da ciência.
TP – Como olha para o futuro do ensino do português em Timor-Leste?
Nino – A nossa constituição prevê que a língua portuguesa também é língua oficial de Timor-Leste. Temos de olhar para o futuro. Na minha opinião, temos de considerar introduzir seriamente o português desde o ensino básico até ao ensino superior. Não podemos deixar que o português só se use no ensino superior, porque assim os jovens universitários sentem-se pressionados com o português. Devemos ter manuais que possam ajudar os estudantes a aprender, a entender e a falar português.
Deve-se consciencializar a sociedade de que aprender português abre portas a empregos.
Por outro lado, temos de decidir uma única política de uso do idioma. Se optarmos pelo português, temos de nos focalizar nele. Não devemos misturar línguas, por exemplo, no ensino básico ou ensinar usando as línguas maternas. Tenho a certeza de que isto vai dificultar a assimilação dos conteúdos. No secundário e na universidade, devemos privilegiar o português.
O Ministério da Educação já fez muitas coisas, mas deve preparar futuros formadores da língua portuguesa. Deve-se consciencializar a sociedade de que aprender português abre portas a empregos. Deve-se motivar as pessoas a ler, escrever e falar fluentemente em português. Neste momento, grande parte das oportunidades de trabalho para os timorenses estão em Inglaterra, na Austrália e na Coreia do Sul. Então, muitos preferem aprender a língua inglesa. Se continuar assim, a língua portuguesa não se vai desenvolver. Outra coisa é que os documentos da Administração Pública estão escritos na língua de Camões, por exemplo, as leis. Se uma pessoa não percebe as regras, como é que as pode implementar?
Para concluir, queria citar a ideia do senhor John Kennedy. “Não perguntem o que o vosso país pode fazer por vocês, perguntem o que é que vocês podem fazer pelo vosso país”. Então, vamos trabalhar juntos para contribuir para o alargamento da língua portuguesa.
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