Díli (timorpost.com) – O jardim em frente ao Palácio do Governo, à beira-mar, é sempre um lugar onde há muito movimento. Ora, se há muitas pessoas a circular, num mesmo local, em Díli, é inevitável encontrar vendedores ambulantes.
Numa manhã de quinta-feira, quatro dias após a votação das eleições parlamentares, o Timor Post esteve no local para tentar falar com alguns destes trabalhadores. A ideia era saber o que pensavam a respeito da vida política no país e de como isto tinha impacto nas suas vidas. Entre a multidão, contudo, ninguém demonstrava interesse em abordar o tema.
Porém, um jovem de camisa vermelha, com uma bicicleta e alguns cigarros e máscaras na mão, ao perceber as tentativas frustradas do jornalista em conversar com as pessoas, aproximou-se. Chamava-se Sérgio Mateus do Rego, 23 anos.
O rapaz, então, pôs-se a falar. Disse que era importante os governantes “concentrarem-se em desenvolver o país e deixarem os vendedores ambulantes em paz”. Sérgio lembrou os muitos casos em que autoridades expulsaram os trabalhadores de determinados locais ou recolheram os seus produtos.
O vendedor conta que votou no município de Baucau, no suco de Seisal, o lugar onde nasceu e cresceu. Além de trabalhador, o jovem é estudante na Universidade Oriental de Timor Lorosa’e (UNITAL), no departamento de Língua Portuguesa.
A conversa com Sérgio – entre o português e o tétum – aconteceu nas proximidades da Embaixada de Portugal. Dali, conseguimos ver as pessoas em filas para tratar dos seus documentos para a cidadania portuguesa, com o objetivo de “entrar” na Europa para trabalhar. Por isso, decidimos mudar de tema. Em vez das eleições, começamos a falar sobre a sua vida diária e os motivos que o levaram a aprender português.
Sérgio é uma pessoa amigável, de sorriso fácil e, como bom vendedor, sabe interagir com as pessoas.
Timor Post – Porque é que decidiste vender na rua?
Sérgio Mateus (SM) – Quando tinha 13 anos fui viver com o meu tio em Díli, porque ele tem apenas uma filha. Foi como se tivesse sido adotado. O meu tio ensinou-me, desde cedo, a ser independente (financeiramente) através da venda de bolachas, vegetais e até de cigarros ou recargas (pulsa).
O meu tio dizia-me “deves aprender a viver de forma independente. Se um dia eu morrer, você pode cuidar da nossa família”. No ano passado, ele faleceu, por isso tenho de trabalhar assim para cuidar agora da família.
Com este dinheiro posso pagar os meus estudos e ajudar a minha mãe nas despesas.
TP – Quando é que começaste a estudar?
SM – Comecei a estudar em 2004. Quando terminei o ensino básico, o meu tio queria que eu entrasse no seminário em Oecússi. Eu não queria ir, por isso fugi para Baucau, a minha terra natal, onde terminei o ensino secundário em 2019.
TP – Depois de terminar o ensino secundário, já tinhas o desejo de continuar no ensino superior?
SM – Infelizmente, não pude continuar por problemas económicos. Passei um ano inteiro a viver na rua, como vendedor de hortaliças, de vegetais e de tantas outras coisas, para arrecadar algum dinheiro e posteriormente continuar os meus estudos.
TP – Como é que te sentias quando vias os teus colegas a ir à escola?
SM – Nos dias de feriado ou nas férias escolares, ficava muito contente, porque tinha os amigos que regressavam à aldeia. Mas, quando as aulas recomeçavam, todos iam embora e isso deixava-me triste.
TP – O que te motivou para querer continuar a estudar?
SM – Às vezes, andava na rua e perguntava aos meus amigos “para onde vão?”. A resposta que ficava sempre nos meus ouvidos era “vamos para a escola”. Foi esta pequena frase que me motivou a vir para Dili e a continuar no ensino superior.
TP – Como divides o teu tempo entre estudar e vender?
SM – Nas horas em que não tenho aulas, as estradas são os meus lugares. Não vendo apenas nas ruas, mas também nas escolas. Pulsa, máscaras e algumas bolachas, são alguns dos artigos que sempre vendi.
“A língua portuguesa é um idioma que completa e enriquece a língua Tétum” – Sérgio Mateus
TP – Quando é que começaste a aprender português?
SM – Quando comecei a estudar, no ensino primário, conheci a língua portuguesa, mas não me foquei muito, porque tinha muitos verbos (conta, entre gargalhadas).
TP – Por que motivo te apaixonaste pelo português?
SM – Isto começou quando terminei o ensino secundário. Passei toda a minha vida no mercado e foi aí que comecei a ler alguns livros em português (diz que já se esqueceu desses livros). Foi nessa fase que a minha paixão pela língua portuguesa despertou.
Uma das razões é o facto de o português, sendo um idioma oficial, também ser uma língua que completa e enriquece o vocabulário do tétum.
Também somos membros da Comunidade dos Países da Língua Portuguesa (CPLP) e é triste quando não sabemos falar português.
TP – Qual é a importância do português na tua vida?
SM – O meu sonho é ser professor de língua portuguesa. Gosto muito de aprender português, porque, além de ter sido uma das razões pelas quais entrei na Universidade, o idioma teve um impacto positivo na minha vida. Aprender a língua portuguesa motiva-me a continuar a estudar cada vez mais.
TP – Como é que aprendes a língua portuguesa?
SM – Comecei a memorizar 5 palavras por dia. Pensei que, se memorizasse 5 palavras por dia, num mês conseguiria aprender 150 palavras novas em português. Funcionou. Não aprendi apenas pelos livros, mas pelos cartazes que estão nas estradas, pelos jornais ou qualquer coisa que dê para ler.
TP – Já fizeste alguns cursos em português?
SM – No ano passado, fiz um curso básico de língua portuguesa, na sede do partido Congresso Nacional de Reconstrução Timorense (CNRT), no Bairro dos Grilos.
TP – Se algum dia tiveres a oportunidade de continuar a enriquecer o teu conhecimento da língua portuguesa, tanto no país como no estrangeiro, o que farás?
SM – Isso seria uma boa notícia e estou pronto para qualquer oferta. Sei que, com um bom trabalho, posso ajudar a minha família e garantir, pelo menos, que os meus irmãos ou os meus filhos não tenham de trabalhar na rua.
TP – Qual é o teu maior sonho?
SM – Não tenho muitos sonhos. O meu desejo é, se eu agora ando de bicicleta, que o meu filho ande um dia de mota ou de carro.
TP – Queres deixar uma mensagem?
SM – Não parem de aprender. Tentem ser independentes e estejam preparados enquanto os vossos pais ainda têm saúde. Agradeçam pelo que têm na vida e tenham fé no que aprendem e no vosso trabalho.
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