Dia Mundial da Língua Portuguesa, 05 de maio
“Nganha” é o nome atribuído aos senegaleses, guineenses e cabo-verdianos que falam português. Samba Ndiaye, nascido em 1968, no Senegal (Saint-Louis), recebeu esta alcunha quando aprendeu o português em vez do alemão, primeira escolha de língua estrangeira do atual professor do Consultório da Língua para Jornalistas (CLJ).
O primeiro contacto com a língua portuguesa
Por imposição do diretor da escola, Samba começou a aprender português, no ensino médio. A sua turma foi “cobaia”, porque a língua portuguesa nunca tinha sido ensinada antes. As suas línguas maternas são o wolof e o fula. O francês é a língua oficial. Inglês foi a primeira língua estrangeira que aprendeu. O português foi a última, mas mudou-lhe a sua vida. Com a língua portuguesa tinha tido apenas um contacto informal devido à entrada de guineenses e cabo-verdianos que fugiam da guerra.
Estudou português como língua estrangeira durante alguns anos, sem manuais e sem dicionários. Apesar disso, conseguiu obter bons resultados e, chegado o momento de decidir o que queria estudar no Ensino Superior, elegeu a língua portuguesa, mesmo contrariando a vontade paterna, porque acreditava que teria emprego nesta área. Licenciou-se em Estudos Portugueses, em 1995, e obteve o Certificado de Aptidão de Ensino Médio, em 1996, na Universidade Cheikh Anta Diop de Dakar. Lecionou durante quase 10 anos Português, Língua segunda/estrangeira na Casamança (Thionck – Essyl).
Encorajado por um amigo da faculdade acabaria por se candidatar uma bolsa do Camões sem grande esperança. Mas surpreendeu-se. A mãe foi a portadora da boa notícia: “Tens uma carta, parece que vem de fora”. Quando abriu, era a carta de aceitação da bolsa para ir para Portugal, à qual ele não se lembrava que se tinha candidatado.
Após autorização do ministério competente, saiu do Senegal, em outubro de 2000, rumo a Portugal, onde tencionava ficar três meses. A bolsa do Instituto Camões acabou em dezembro, mas a vontade de permanecer perdurou. Encontrou trabalho como vigilante de obras. “Entrava às 18h00 e saía à meia noite. Ganhava por volta de 600 a 800 escudos [3 a cerca de 4 dólares americanas]. Era um bom salário para um jovem estudante. Estudava de manhã e à noite trabalhava”, contou.
A viver com compatriotas em Lisboa, Samba e os seus amigos fizeram um acordo para praticarem o português. Quando estavam juntos não podiam falar nas suas línguas. Quem o fizesse pagava a senha da cantina. Como ninguém queria pagar, obrigavam-se a cumprir o acordo, mesmo que, de vez em quando, inventassem algumas palavras, revelou divertido.
Para conseguir pagar as propinas do Mestrado em Educação – Supervisão Pedagógica em Ensino do Português, em Braga, na Universidade do Minho, o docente tinha dois empregos. Trabalhava num Hotel como copeiro (um profissional que se ocupa dos serviços da copa – lavar a louça) e num call center, onde conheceu a sua “patroa”, como chama carinhosamente à sua esposa e mãe do filho David, nascido há 12 anos, no dia da Liberdade – 25 de abril. Estudava em Braga e trabalhava em Lisboa. Todas as semanas, nos dias de folga, fazia viagens de 6 horas para frequentar as aulas de mestrado.
Em 2011, foi também em Braga que se doutorou em Ciências de Educação – Literacias e Ensino do Português.
Um estrangeiro em qualquer parte do mundo
Viveu em Portugal durante 22 anos, por isso, sempre que vai à sua terra natal tem dificuldade em adaptar-se: “As pessoas da minha terra costumam dizer que sou um estrangeiro por causa das práticas culturais que aprendi”, confessou.
No entanto, em Portugal, também se sentia estrangeiro. Quando o seu orientador da tese de mestrado percebeu que Samba não o olhava nos olhos enquanto falava com ele, perguntou-lhe se estava a ouvir. Explicou que foi ensinado assim, olhar nos olhos dos mais velhos, na sua cultura, é uma afronta e falta de respeito.
Conheceu Timor-Leste aquando da luta pela independência, mas vir para cá trabalhar não foi planeado “Estava a preparar-me para ir para Angola, trabalhar numa universidade, mas um amigo disse-me que Timor estava a precisar de professores”. Como a ida para Angola estava atrasada, decidiu ir à entrevista, em Coimbra. Em março de 2012, já estava a trabalhar na UNTL, como agente da cooperação através da Fundação das Universidades Portuguesas (FUP). Em 2015, trabalhou na UNTL, mas desta vez como agente da cooperação no Camões, I.P.
Desde muito cedo, a mãe ensinou-o a sobreviver no meio das adversidades, por isso não teve medo de sair da sua zona de conforto e vir para o outro lado do mundo. Teve apenas de convencer a esposa que era o seu destino: “A minha esposa antes de me conhecer, tinha, em casa, um mapa de África, um relógio com a forma deste continente e uma camisola branca com a palavra Timor. Portanto, era o destino”, confidenciou, com um sorriso no rosto.
Nos primeiros tempos em Díli, por desconhecimento do tétum, viveu uma situação caricata com um taxista: “Todas as manhãs, apanhava o táxi em Fatuhada para ir para a UNTL, percurso que custava 1,50 USD. Certo dia, parei o táxi e o taxista disse: “rua” (para mim, “rua” é mandar-me para a rua, expulsar-me) por isso, disse-lhe, irritado, para ele ir. Dois ou três taxistas disseram a mesma coisa: “rua, rua”. Quando cheguei atrasado à Faculdade de Agricultura, depois de ter caminhado desde Fatuhada, esclareci o motivo do atraso a um colega, ele riu-se e explicou-me que “rua” em tétum, significa dois”, contou, entre risos.
Quanto às dificuldades de ensinar português em Timor-Leste, refere o facto de esta não ser a língua materna da maioria da população e o método de ensino-aprendizagem ter variado ao longo do tempo, uma vez que algumas pessoas aprenderam no tempo português e outros depois da restauração da independência. No entanto, para Samba, o grande problema da aprendizagem do português em Timor-Leste é a metodologia utilizada pela maioria dos professores. Os alunos limitam-se a memorizar os conteúdos gramaticais, preterindo a abordagem comunicativa. Para o formador, não falar a língua de Camões é uma consequência do método utilizado pelos docentes.
Acredita, porém, que os motivos para aprender a Língua Portuguesa superam as dificuldades. Hoje em dia, os recursos para aprender uma língua são imensos, ao contrário do que acontecia na altura em que estudou. O português, na sua perspetiva, é uma janela para o mundo. São vários os livros de diferentes áreas traduzidos nesta língua, o que permite aos timorenses, se a dominarem, o acesso fácil à informação.
Questionado sobre o segredo para aprender português, diz que não há segredo. Há dedicação, empenho e perseverança. Um problema é sempre uma oportunidade para aprender. Quando estudava português no Senegal também não praticava esta língua fora da sala de aula, tal como acontece em Timor-Leste, mas isso não o deteve.
Saudade é a sua palavra preferida: “Uma palavra que não se pode traduzir em mais nenhuma língua, usada quando não sabemos explicar o que estamos a sentir, o que nos está a faltar”. Uma palavra “muito portuguesa”. É com esperança no olhar e convicção nas palavras que afirma que o português tem futuro em Timor. (CLJ)
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