Dia Internacional da Literacia. Os Cantinhos de Leitura do Ernesto

Timor Post - Ciência · Educação
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Contribuinte: Daniel Damaia

O Dia Internacional da Literacia celebra-se a 8 de setembro. Este dia foi criado pela UNESCO em novembro de 1965 e celebrado pela primeira vez em 1966. Mais recentemente, foi proclamado através da Resolução 73/145 adotada na Assembleia Geral da ONU de 17 de dezembro de 2018. A UNESCO realiza anualmente uma cerimónia de entrega de prémios de literacia a nível internacional.

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Tida, numa aceção muito restrita, como a capacidade de ler e escrever, atualmente termos como a literacia digital, financeira, mediática ou atitudinal imprimem um cunho muito mais amplo e transversal ao significado de literacia. Ele reúne o conjunto de saberes e competências com que cada um de nós aprende sobre o mundo e, via aquelas, torna-se apto a lidar com o mesmo mundo. Acresce que, nesta noção, é sublinhado o papel que a posse de competências transversais tem na concretização dos direitos humanos e na instauração de uma sociedade mais sustentável e igualitária.

Atualmente, sociedades modernas e tecnologicamente avançadas contrastam com outras, onde se estima que cerca de 800 milhões de adultos ainda não sabem ler nem escrever, enquanto mais de 122 milhões de crianças em idade escolar não vão à escola. As mulheres, por sua vez, constituem dois terços da população analfabeta mundial.

Em Timor-Leste o conceito de literacia não é desconhecido. Há casos em que, com esta palavra, é motivo de conteúdos em cursos de formação na Universidade Nacional de timor Lorosa’e (UNTL) e no Instituto Nacional de Formação de Docentes e Profissionais da Educação (INFORDEPE).

A nível do terreno, organizações não-governamentais como a Fundação Alola ou a CARE International Timor-Leste (CITL) destacam-se, sobretudo a última. Nesta, a formação de agentes educativos, internos e externos à instituição, tem sido uma das prioridades da CITL, via Programa HATUTAN (Hahán ne’ebé Atu fó Tulun ho Nutrisaun no Edukasaun).

A CARE, junto com a Mercy Corps e a WaterAid, e na prossecução de metas relacionadas com a literacia, tem também levado a cabo a montagem, ou reabilitação, daquilo que se designa em didática do ensino pré-escolar e do ensino básico, de “cantinhos de leitura”. Trata-se de espaços físicos, inseridos ou não numa sala de aula, com mobiliário e materiais didáticos próprios onde, de um modo menos curricularizado e mais lúdico, se criam condições para a concretização de competências de literacia. Nestes perseguem-se, de uma maneira geral as quatro grandes competências do ensino básico, no caso timorense: ouvir, falar, ler e escrever. Os cantinhos de leitura são, portanto, adequados para estabelecimentos do ensino pré-escolar e do 1.º ciclo.

Na CARE os cantinhos de leitura (Kantu lee) têm sido gradualmente cada vez mais nas cerca de 220 escolas de ensino básico dos quatro distritos que a organização abarca (Ainaro, Ermera, Liquiçá e Manatuto). Feitos de materiais fáceis de arranjar (tábuas de madeira e tijolos pintados), muitos ostentam mais do que livros. Têm, entre outros, materiais de literacia para a leitura, escrita e numeracia, também feitos de materiais de fácil acesso ou recicláveis.

Um dos agentes envolvidos na montagem ou reabilitação dos cantinhos de leitura na CARE é o ex-EPO (Educational Professional Officer) Ernesto (nome fictício). Mais do que providenciar cantinhos com materiais de leitura e escrita, o Ernesto dava o seu cunho pessoal aos cantinhos de leitura das escolas da região de Maubisse (Ainaro) onde trabalhou, com murais que causavam espanto a quem os via: eram estilizados, coloridos, seguiam padrões estéticos uniformes e atraíam os olhares.

“Um cantinho de leitura tem de ser atrativo ao olhar. Tem de chamar a atenção… como se diz? Tem de encher os olhos”. E assim é. Os kantu lee do Ernesto parecem mosaicos de cor que deliciam o olhar. Ernesto fez parte de uma equipa que, deslocando-se em conjunto a uma escola de Maubisse, numa questão de poucos dias montava um cantinho de leitura pronto a ser usado.

“Era algo planeado”, assegura o Ernesto. “Nós íamos à escola, avaliávamos o espaço da sala e, do centro dela, fotografávamos os quatro cantos. Depois decidíamos qual era disposição do kantu lee em função dos espaços, da localização das janelas, do quadro negro e da porta. Tudo isto com o consentimento e negociado com o professor. Geralmente resultava bem. Fomos treinados a fazer assim”, completa o Ernesto.

O Ernesto era o artista de serviço. Era ele quem dava o toque de artista aos cantinhos de leitura. Era ele quem fazia a mancha colorida na parede, era ele quem pintava o mural. Quanto ao resto, o Ernesto explica: “a sede em Díli apoiava-nos com livros, juntávamo-los aos existentes na escola e a minha equipa construía materiais de literacia a partir de materiais reciclados ou fáceis de adquirir”. E que materiais eram esses? “Cartão de caixotes, pequenas caixas de cartolina e de plástico, tampas de garrafas (aqua-matan) pedaços de esferovite, garrafas, copos e muitos mais”. Nos cantinhos de leitura do Ernesto, e de outros da CARE, não se ambicionava só a prática e o desenvolvimento da leitura. Estavam aptos a outras competências da literacia: a escrita, o diálogo, o jogo, contar e ouvir estórias e aprendizagens cooperativas, entre outros.

O Ernesto não sabe, provavelmente, do Dia Internacional da Literacia, mas o Dia Internacional da Literacia gostava, certamente, de saber do Ernesto. Deste Ernesto e de outros Ernestos.

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