Funcionário de estacionamento renova a fé na bondade das pessoas

Mario da Costa - Economia
Reportajen : Joana Silva
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Augusto já recebeu um certificado de apreciação da Autoridade Municipal pelo bom trabalho que desempenha, mas ainda lida com dificuldades. “Nada abala meu espírito de trabalho”, diz - Foto - CS

Díli (timorpost.com) – Augusto Pereira da Conceição, 33 anos, é funcionário de estacionamento, na Avenida 25 de Abril, em Colmera, no município de Díli.

Muitas pessoas reparam no empenho e responsabilidade com que Augusto Pereira trabalha. Quem ali estaciona agradece-lhe o cuidado com os carros, mas outros condutores estão sempre prontos para apontar o dedo a qualquer situação inesperada.

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De segunda a sexta-feira, o funcionário de estacionamento orienta as viaturas para estacionarem no lugar certo e recolhe dinheiro, que vai para os cofres do Estado. Um automóvel estacionado durante uma hora paga 25 centavos, mas um dia inteiro custa 1 dólar.

“Alguns donos dos veículos oferecem-me 50 centavos ou 1 dólar de gorjeta, às vezes mais, para comparar água, pulsa e para pagar transportes”, explicou Augusto, que começa o trabalho às 8h e termina às 17h.

Para ganhar dinheiro, o homem diz que não se cansa de trabalhar, seja “debaixo do sol, chuva ou poeira”, enfatizou.

Na capital de Timor-Leste, os funcionários de estacionamento não trabalham à noite nem ao fim de semana.

Numa noite, um francês deixou o computador e alguns documentos dentro do carro, que foi assaltado. Partiram o vidro do veículo e os pertences do estrangeiro foram levados. Em poucos minutos, a situação tornou-se viral nas redes sociais e Augusto percebeu que deveria dar mais atenção ao espaço.

Bom senso no trabalho

Certo dia, um homem timorense estacionou, durante a tarde, na zona onde Augusto trabalha, mas esqueceu-se de fechar bem a janela.

Já passava da hora de saída do trabalho, eram seis da tarde, porém Augusto ainda estava no local. O senhor voltou e perguntou ao funcionário por que razão é que ainda se encontrava ali.  “O vidro do automóvel não estava bem  fechado. Vi que uma mochila e um computador ficaram no carro. Por isso, não abandonei o estacionamento sem a chegada do senhor”, justificou Augusto.

Como forma de agradecimento, o senhor deu ao empenhado funcionário dez dólares e uma garrafa de água. Antes de ir embora, o dono do carro pediu a Augusto para tirar uma foto sua, pois gostaria de fazer uma publicação no Facebook.

Poucos minutos após a publicação, a foto do funcionário do estacionamento espalhou-se nas redes socias, com a seguinte descrição: “Augusto merece uma recompensa pelo bom senso, dedicação e honestidade”.

Surgiram, então, várias partilhas nas redes socias, tanto no Facebook, como no Instagram e WhatsApp. “Timor-Leste tem pessoas corruptas, mas ainda tem pessoas de bom coração”, diziam alguns comentários de utilizadores.

Augusto soube que a foto se espalhou no Facebook através da sua mulher. “A minha esposa, Jovita Araújo, avisou-me. Naquela altura, senti-me muito feliz e privilegiado.  Não sabia sequer que o homem que ajudei era um padre”, disse.

O funcionário de estacionamento, agora, já é famoso. As pessoas passam por ele e dão-lhe “parabéns por fazer um bom trabalho”.

A 12 de outubro de 2022, a Autoridade do Município de Díli reconheceu o trabalho de Augusto. O jovem, que vive em Marabia, recebeu o certificado de apreciação da Autoridade Municipal no âmbito da comemoração do aniversário do município.

Contudo, em alguns momentos Augusto ainda sofre com situações menos agradáveis – quando, por exemplo, os donos dos veículos reclamam porque têm o pneu vazio, apesar de o jovem não ter culpa nenhuma da situação.

Diferentes empregos e diferentes experiências

Augusto, terceiro filho de cinco irmãos, e a mãe já tinham vendido legumes no Mercado de Taibessi para obter dinheiro. Diligente e com vontade de trabalhar, em 2016, os colegas chamaram-no para trabalhar na limpeza das casas de banho, no mercado. “Mas, não recebi nem um centavo”, lamentou.

Nos últimos meses de 2017, o município de Díli abriu um concurso para recrutar funcionários de estacionamento. “Entreguei os meus documentos e tive sorte, porque quem analisou o currículo quis que eu trabalhasse nessa área devido às boas referências do trabalho anterior”, disse.

Antes de começar a trabalhar, os funcionários tiveram de frequentar uma formação durante um mês para aprender as regras de trânsito e sua aplicação.

Em 2018, o jovem começou a trabalhar no estacionamento do mercado de Taibessi. “Recebi ali o meu primeiro salário, de 115 dólares”, afirmou.

Trabalhou no estacionamento de Taibessi durante dois anos, porque as estradas no centro de Díli ainda não estavam pintadas. Quando terminaram as pinturas, foi trabalhar na Avenida 25 de Abril, em 2020. O vencimento também subiu para 175 dólares. No ano seguinte, aumentou 20 dólares para ajudar a pagar transportes.

Augusto apenas concluiu Ensino Secundário e não conseguiu estudar na universidade por falta de dinheiro.

É um homem sem sonhos para seguir. Acredita que um emprego simples já é gratificante, mesmo que não se sente numa cadeira de luxo ou esteja num bom edifício para sentir o frio do ar condicionado. “Isto não é uma barreira para mim nem enfraquece o meu espírito do trabalho”, afirmou.

Na sua rotina, o rapaz compra a comida no restaurante ou em outros locais de venda. Volta, senta-se à sombra, numa cadeira na berma da estrada e almoça. “Algumas vezes, não como nada, porque chegam muitos carros e tenho de os ajudar a estacionar”, confessou.

Tristeza e felicidade

Em 2017, a mãe de Augusto morreu. Sem tempo para recuperar do sofrimento, a sua casa foi incendiada devido a um curto-circuito. Nenhum “ema bo’ot”, expressão popular em tétum que se refere às pessoas da elite, deu qualquer apoio nem compareceu no local. Augusto teve de reconstruir a casa com o dinheiro do seu trabalho.

Quando ainda não tinha terminado de reconstruir a casa, o rapaz recebeu mais uma dura notícia: a morte do pai. “São momentos difíceis de esquecer”, conta.

Augusto seguiu, contudo, com firmeza a sua jornada. Quase no final de 2021, o jovem apaixonou-se e casou-se com uma mulher que conheceu através de uma chamada telefónica. Nunca a tinha visto ou encontrado. Ainda namoraram à distância durante cinco meses, antes de se casarem.

Em maio de 2022, conheceu a família da esposa, no município de Covalima, e logo depois casaram-se. Agora, o funcionário de estacionamento prepara-se para, talvez, o seu maior desafio: ser pai. “A minha mulher está grávida de cinco meses”, disse, com um sorriso no rosto e tampando a cara com as mãos.

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